O acúmulo de negativas recebidas ao
procurar emprego fizeram José Francisco dos Santos Guimarães, 43 anos, desistir de trabalhar. Em uma das primeiras tentativas de conseguir uma vaga, ainda na juventude, ouviu
do entrevistador um "não posso contratar alguém obeso". Francisco precisava de dinheiro e passou a vender roupas e sapatos de porta em porta até que desistiu.
Hoje, com mais de 180 quilos, vive o sonho de realizar a cirurgia de redução de estômago para se lançar novamente no mercado.
O sofrimento
de Francisco é compartilhado por muitos obesos que se sentem desestimulados ao ambiente de trabalho. Na pesquisa Profissionais Brasileiros — Um Panorama sobre
Contratação, Demissão e Carreira, feita pela Catho em 2013, 6,2% dos empregadores assumiram não contratar obesos.
Nas empresas
privadas, a negativa é velada, mas, no serviço público de São Paulo, por exemplo, ter obesidade grave é item desclassificatório. Essa foi a
polêmica que se instalou no final de maio, quando o governo paulista barrou o ingresso de um quarto dos professores aprovados nos testes intelectuais do último concurso para o
magistério por apresentarem IMC (veja abaixo) maior do que 40. O Departamento de Perícias Médicas do Estado de São Paulo (DPME) informou, por meio de assessoria
de imprensa, que cumpre a legislação e o Estatuto do Funcionalismo Público Paulista. A explicação é de que "a obesidade mórbida
é doença grave" e "barrando a entrada destas pessoas na carreira pública, o estado estaria se precavendo de arcar com licenças
médicas".
O médico do trabalho e perito da Justiça Jacques Vissoky lembra que contratar um obeso requer adaptação do
escritório, custos que as empresas, muitas vezes, não estão interessadas em arcar. Para ele, o que pode impactar no desempenho do trabalhador obeso são as
doenças associadas.
— O médico, na hora do exame admissional, tem de ponderar os achados clínicos com o tipo de atividade que será
exercida, mas o limite entre a discriminação e a avaliação para o desempenho da atividade é tênue — explica Vissoky.
O
chefe do Centro da Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital São Lucas da PUCRS, Cláudio Mottin, avalia a decisão em São Paulo como correta e
explica que a obesidade é uma doença crônica.
— Dentro desta visão, fica mais doente ao longo da vida, custa mais para a saúde
pública e para as empresas — afirma, lembrando que a expectativa de vida dos obesos é 20% menor do que a dos magros.
Já o coordenador do
Centro de Tratamento da Obesidade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Luiz Alberto De Carli, considera a atitude discriminatória:
—
Intelectualmente, eles não teriam problema. Podem apresentar limitações manuais, mas isto não significa deixá-los fora de tudo. Não há
oficialmente restrições para a contratação de obesos no Rio Grande do Sul, mas, extraoficialmente, elas ocorrem. E muito.
Poder
público tem de ser inclusivo, diz advogado
Celso Jefferson Messias Paganelli é professor de Direito na Faculdades Integradas de Ourinhos, em
São Paulo, e brigou na Justiça no ano passado para garantir a vaga de um obeso que havia sido barrado pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado de
São Paulo (DPME). Ele havia passado para um cargo de enfermagem em um hospital público, mas foi impedido de assumir. Ganharam a ação em primeira instância
e o homem trabalha provisoriamente em um hospital, mas ainda cabe recurso do governo do Estado.
— Esses casos podem levar até 10 anos para ter uma
solução definitiva — explicou.
As chances de não ter sucesso em ações judiciais como essa são baixas.
— Vamos imaginar uma pessoa que tenha alguma deficiência grave, como o diabetes. Ela não pode ser impedida de assumir um cargo público por causa dessa
doença, então porque uma pessoa com IMC acima de 40 tem de ser impedida? — questiona Paganelli.
O advogado Aloísio Zimmer Júnior,
doutor em Direito Administrativo, lembra que, em 18 anos de exercício da profissão no Rio Grande do Sul, jamais viu qualquer decisão desse tipo por aqui. E mais: a
legislação gaúcha ainda prevê a aprovação de pacientes com câncer e HIV, caso comprovem que estão em tratamento médico.
— Uma empresa privada poderia trabalhar com a lógica da eficiência econômica, calcular perdas e ganhos e criar critérios mais rigorosos nesta
contratação, mesmo assim, se ficasse claro que o que pesa é a condição que fica entre o estético e a saúde, poderia ser responsabilizada por
isto. Mas o poder público não estaria autorizado a isso porque ele trabalha com outra lógica, que é a da inclusão — disse o advogado.
O Índice de Massa Corporal (IMC)
É uma medida internacional usada para calcular se uma pessoa está no peso
ideal, determinada pela divisão da massa do indivíduo pelo quadrado de sua altura, em que a massa está em quilogramas e a altura em metros