A quebra do sigilo bancário de Michel Temer e de
três pessoas de sua confiança, somada à inclusão de seu nome no inquérito do quadrilhão do PMDB, deflagrou novo embate do Planalto com as
autoridades que o investigam. Irritado com o que considera voluntarismo do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e do delegado da Polícia Federal
(PF) Cleyber Lopes, Temer passou os últimos dias estudando formas de reagir às investidas.
– Vai ter troco, pode ter certeza – diz
um assessor do peemedebista.
A maior inquietação do presidente é com o inquérito que apura corrupção e lavagem de
dinheiro na edição de um decreto que beneficiou empresas do setor portuário. Além de Temer, tiveram o sigilo bancário quebrado os ex-assessores
José Yunes e Rodrigo Rocha Loures, bem como o coronel aposentado João Baptista Lima Filho, todos apontados como operadores do presidente.
Na
última sexta-feira, Temer foi a São Paulo avaliar com o advogado Antônio Mariz e Yunes os dados de seus extratos bancários. De volta a Brasília, reuniu-se
no sábado com a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Temer alegou que pediu a audiência informal para discutir segurança pública, mas sabe-se
que aproveitou o encontro para reclamar das recentes decisões judiciais tomadas pela Corte.
O temor do presidente remonta ao final da manhã de 10 de maio
de 2017. Na ocasião, reuniu empresários e políticos no Palácio do Planalto para celebrar o decreto que renovava por até 70 anos, sem
licitação, os contratos de arrendamento do setor portuário.
– Estamos trazendo o Brasil para o século 21 – disse, ao
assinar o documento, salientando investimentos de R$ 23 bilhões da iniciativa privada.
A prometida modernização dos terminais ainda não
ocorreu, mas a medida fez de Temer o primeiro presidente a ter a movimentação financeira devassada por determinação judicial. Indignado com a decisão de
Barroso, prometeu entregar nos próximos dias os extratos de sua movimentação financeira não só à Justiça mas também à
imprensa, pois, segundo interlocutores, tem certeza de que os dados “acabariam vazando”. Não foi a primeira vez que o presidente reagiu com indignação
à investigação. Confrontado com 50 perguntas formuladas por escrito pelo delegado Lopes, deixou várias questões sem resposta e disse que alguns
questionamentos colocavam em dúvida sua “honorabilidade e dignidade pessoal”.
O alcance da quebra de sigilo bancário
Michel Temer – É suspeito de receber propina para beneficiar empresas do setor portuário. Seis dias antes da edição de um decreto que
renovava concessões por até 70 anos, a PF interceptou conversa telefônica na qual Temer dá informações sobre o documento ao deputado Rodrigo Rocha
Loures, flagrado recebendo R$ 500 mil em propina supostamente endereçada ao presidente.
José Yunes – Amigo pessoal e ex-assessor especial de
Temer, Yunes foi citado nas delações do operador Lúcio Funaro e da Odebrecht como intermediário de propinas destinadas ao PMDB. O próprio Yunes admitiu
ter recebido R$ 1 milhão em seu escritório, a pedido do ministro Eliseu Padilha. Segundo Funaro, o dinheiro era propina da Odebrecht para uso em caixa 2 e pertenceria a
Temer.
Rodrigo Rocha Loures – Ex-deputado e ex-assessor especial de Temer, era interlocutor do presidente para a JBS e o setor portuário. Logo
após a conversa com Temer sobre a edição do decreto, telefonou para Rodrigo Conrado Mesquita, da Rodrimar, repassando as informações obtidas junto ao
presidente. Loures também foi flagrado pela PF em conversas nas quais tentaria ampliar o alcance do decreto.
Coronel Lima – Mais enigmática
figura do entorno do presidente, de quem é amigo desde 1984. Chamado a depor, o coronel aposentado da PM paulista apresentou sucessivos atestados médicos. Relatório da
PF mostra 12 telefonemas entre Lima e Temer na época da edição do decreto. A PF também apreendeu documentos em que Lima aparece pagando despesas da
família do presidente.
Rodrigo Conrado Mesquita – Executivo da Rodrimar, aparece em conversas entre Rocha Loures e o diretor da JBS Ricardo Saud como
suposto intermediário de propina a Temer. Falou por telefone com Loures no dia em que o deputado recebeu R$ 500 mil da JBS. Teve forte atuação no lobby do setor
portuário pela edição do decreto e apresentou documentos comprovando a influência sobre o Planalto.
Antônio Celso Grecco –
Assim como Rodrigo Mesquita, é executivo da Rodrimar. Para a PF, também seria usado pelo presidente Temer como intermediário no recebimento de propina, conforme
conversas gravadas entre Rocha Loures e Ricardo Saud. Amigo de Temer, Grecco ainda aparece em inquérito sobre corrupção no Porto de Santos do qual o presidente foi
excluído pelo Supremo em 2011.
Suspeitas emergem a partir de delações da JBS
As suspeitas contra Michel
Temer surgiram a partir da delação da JBS. Grampeado pela Polícia Federal (PF), Rodrigo Rocha Loures foi flagrado conversando com Temer seis dias antes da
edição do decreto. Na conversa, ele perguntou ao presidente sobre a medida e foi informado de que o decreto seria assinado na semana seguinte. Em seguida, Rocha Loures passou
a notícia a Ricardo Conrado Mesquita, membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) e diretor da empresa Rodrimar, que
opera no Porto de Santos.
Em delação, o doleiro Lúcio Funaro disse à PF que Temer já havia tentado beneficiar a Rodrimar em 2013,
quando era vice-presidente. Na época, ele teria pedido ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que “ajustasse” a medida provisória 595, que versava sobre o setor. A
emenda de Cunha acabou vetada pela presidente Dilma Rousseff.
Outro delator, o ex-executivo da JBS Ricardo Saud, também citou a proximidade de Temer com a
Rodrimar. Segundo Saud, Loures teria indicado Ricardo Mesquita como intermediário para receber em nome do presidente a propina prometida pela JBS.
Com
22 volumes e 3.067 páginas, o inquérito contra Temer também teve anexados e-mails e atas de reuniões entre empresários do setor portuário. Os
documentos, entregues por Mesquita, indicam que trechos inteiros do decreto de Temer foram sugeridos pela ABTP. Um mês antes da mudança na legislação, a entidade
chegou a entregar ao governo três minutas com medidas de interesse do setor.
A investigação no STF contém também documentos de
outra apuração policial envolvendo o presidente e a Rodrimar. No inquérito, arquivado em 2011, a empresa era suspeita de participar de esquema de
corrupção no Porto de Santos. O nome de Temer apareceu em planilha entregue à PF com o registro de R$ 1,2 milhão em propina, metade a “mt”. Para os
investigadores, as iniciais se referem a Michel Temer.
O inquérito nº 4621 é o quarto procedimento penal contra Temer. Além da suspeita de
receber propina para beneficiar empresas do setor portuário, ele responde a inquérito no qual se apura repasse de R$ 10 milhões ao PMDB e a duas denúncias por
corrupção, obstrução da Justiça e organização criminosa, ambas barradas pela Câmara dos Deputados até o final do mandato
presidencial.