Viúva de um militante político na época da ditadura
militar, a ex-professora Célia Ferreira Martins, de 86 anos, diz que o marido entrou em depressão e cometeu suicídio depois que foi obrigado a se exilar. Manoel
Custódio Martins morreu em 7 de fevereiro de 1978, no Chile, aos 43 anos de idade.
O nome dele aparece no levantamento do G1 sobre pessoas que morreram ou
desapareceram por motivos políticos, a partir de 1º de abril de 1974 e até o fim da ditadura. Foi a partir desta data que o general Ernesto Geisel, então
presidente do Brasil, autorizou a execução de opositores, segundo um documento da CIA tornado público recentemente pelo governo americano.
"A gente teve que abandonar tudo o que tinha aqui. Deixar tudo pra trás. E ele adoeceu", lembra ela.
"Estava com depressão. É
uma doença que eu não desejo para o meu pior inimigo. Ele ficou depressivo porque se sentia inútil. Mas até hoje não me conformo", lamenta ela, que
mora na cidade de Rio Grande, no Sul do Rio Grande do Sul, onde nasceu.
Ela recorda que nos primeiros dias de abril de 1964 ouviu no rádio que o marido estava
sendo procurado. Na época, ele era um ativo militante e dirigente do PTB. Com os quatro filhos, o casal foi para Montevidéu, no Uruguai.
No
país vizinho, a família passou por dificuldades financeiras até se mudar para o Chile, onde viveu entre 1965 e 1978. Dois dos seis filhos do casal nasceram em
Santiago.
Manoel trabalhava como professor de português e inclusive dava aulas para os filhos dos brasileiros exilados. Não poder voltar ao Brasil o fez
entrar em depressão, segundo a viúva.
"Ele se tornou outra pessoa com essa doença", conta.
Após o
suicídio do marido, Célia voltou ao Brasil com os filhos.
Ao saber da divulgação do documento da CIA, um deles, Fidel Patricio Ferreira
Martins, batizado em homenagem ao ex-presidente de Cuba, não se mostrou surpreso com o conteúdo que aponta que Geisel sabia e autorizou a execução de
opositores.
"Nunca houve dúvidas sobre isso. É tudo verdade. Com o tempo, só foi se confirmando ainda mais", considera.
De acordo com o levantamento do G1, além dos 89 casos confirmados, há outras 11 pessoas que podem ter morrido ou desaparecido a partir de 1º de abril de 1974 – a
data não foi esclarecida pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Além disso, pode haver mortes e desaparecimentos durante esse período da ditadura que
não foram registrados.
As informações sobre as vítimas do regime militar estão nos relatórios da CNV, que foi criada para
apurar violações de diretos humanos entre 1946 e 1988.
Embora tenha feito uma extensa pesquisa histórica, não foi essa comissão que
revelou o reconhecimento explícito de que decisões sobre morte de opositores foram tomadas pelo Planalto.
A confirmação está em um
memorando da CIA (a agência de inteligência americana), descoberto pelo pesquisador Matias Spektor, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Com data de 11 de abril de
1974, ele foi tornado público em 2015 pelo governo americano.
O documento foi elaborado pelo então diretor da CIA, William Egan Colby, e endereçado
ao secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger. Colby relata um encontro que teria acontecido em 30 de março de 1974.
Dele, participaram Geisel e
João Batista Figueiredo, que era chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e que viria a ser presidente entre 1979 e 1985, além dos generais Milton
Tavares de Souza, que comandava o Centro de Inteligência do Exército (CIE), e Confúcio Danton de Paula Avelino, que viria a subistitui-lo no CIE.
O general Milton, segundo o documento, disse que o Brasil não poderia ignorar a "ameaça terrorista e subversiva", e que os métodos "extra-legais deveriam
continuar a ser empregados contra subversivos perigosos".
No ano anterior, 1973, 104 pessoas "nesta categoria" foram sumariamente executadas pelo
CIE. Segundo o diretor da CIA, Figueiredo apoiou a política e pediu a sua continuidade.
Geisel pediu para pensar durante o fim de semana. No dia 1º de
abril, Geisel e Figueiredo decidiram seguir com ações, mas destacaram que apenas "subversivos perigosos" deveriam ser executados. Figueiredo concordou que, quando o
CIE apreendesse alguém, ele seria consultado e aprovaria ou não a execução.