O sonho de se
tornar um atleta profissional de futebol pode custar caro, e não só na metáfora. Num clube do Rio Grande do Sul, um jogador desembolsou R$ 2,1 mil para ingressar na
Associação Garibaldi de Esportes, que disputa a terceira divisão gaúcha e a Copa Serrana.
Em três meses de equipe, o lateral-
direito Sidnei Oliveira Gomes, 25 anos, sequer foi utilizado em partidas oficiais. Participou apenas de amistosos e foi surpreendido ao se reunir para renovar o contrato: teria de pagar
mais R$ 600, além do valor já citado. Fato que causou desconfiança à família do jogador.
Ao lado do pai, o barbeiro Paulo Gomes, o
atleta procurou o Sindicato dos Atletas Profissionais do Rio Grande do Sul. Ouviu do advogado Décio Neuhaus que a postura praticada pelo Garibaldi era ilegal e decidiu ingressar com
um processo contra o clube para recuperar o dinheiro gasto, receber os salários e pedir ressarcimento por danos morais. A primeira audiência ocorre na quinta-feira. O Garibaldi
sinalizou com um acordo para pagar cerca de R$ 5 mil a Sidnei, que negou a oferta.
- Um antigo treinador meu me indicou e me disse que eu seria profissionalizado pelo
clube. Minha idade já estava avançada, mas eles prometeram para mim que eu não pagaria nada. Acabei ficando na mão deles. Não tinha saída. Ou eu
jogo aqui, ou eu saio. No meu pensamento, pensei em pagar para ser divulgado e depois eu receberia - explicou ao GloboEsporte.com o jogador que já teve passagens pelas categorias de
base de clubes da Região Metropolitana de Porto Alegre, como o Novo Hamburgo e o 15 de Novembro.
A família ainda teve de pedir um empréstimo de
R$ 1 mil para arcar com os custos. Do valor desembolsado, R$ 1,5 mil são referentes à taxa de inscrição como profissional na Federação
Gaúcha de Futebol (FGF). Outros R$ 600 foram pagos para custear hospedagem e refeições na concentração do clube, no estádio Alcides Santarosa, em
Garibaldi, na serra gaúcha. Em contrapartida, o atleta receberia R$ 800 em salários por mês - R$ 200 a menos do que o piso estadual. Nunca viu a cor do dinheiro, de
acordo com Sidnei e o próprio clube.
- Ele procurou o presidente do sindicato Paulo Mocelin e relatou o episódio. Gastou todo o dinheiro e não
jogou. Quando um jogador se torna profissional, quem paga a taxa é o clube. Está na Lei Pelé. A condição em que estava é pior do que
escravidão. O menino não trabalhava de graça. Ele pagava para trabalhar - relata Neuhaus.
Clube nega cobrança a jogadores
profissionais
O gerente executivo do Garibaldi, Rogério Loss, nega que o clube receba qualquer valor dos jogadores profissionais. Alega que deu uma
oportunidade a Sidnei para que tivesse uma vitrine em uma equipe do interior gaúcho, mas que o jogador deixou de comparecer aos treinamentos já no décimo
dia.
O dirigente admite que taxas são cobradas dos jogadores das categorias de base para a manutenção da instituição. De acordo
com Loss, o Garibaldi tem uma folha salarial de cerca de R$ 15 mil, além de despesas com outros sete funcionários. Sem patrocínios, conta com um incentivo de R$ 60 mil
da prefeitura para manter as estruturas em condições de receber os atletas.
- É um assunto trabalhista. Temos o termo de compromisso do atleta. Eu
não conhecia ele. Nos foi oferecido, e o clube abraçou. Somos um clube que dá oportunidades, e a questão da idade do Sidnei me passou despercebida. Para
nós, veio como amador, mas não teve outra forma a não ser firmar o contrato. Profissional não paga para jogar aqui. Somos transparentes com os familiares dos
atletas da base, que também participam das viagens para torcer pelo filho. Eles sabem que enfrentamos situações precárias financeiramente. Eles nos auxiliam com
dinheiro para manter os garotos. Eles vêm pela oportunidade de jogar - afirma ao GloboEsporte.com.
Condições precárias, denuncia
atleta
A desilusão do atleta foi ainda maior ao chegar às instalações do clube. Encontrou aposentos precários e
até escassez de alimentos para ele e para os demais jogadores. Situação que o levou a pensar em tomar outros rumos para o futuro.
- O
alojamento era ruim, não tinham estruturas para receber. Tinham apenas dois chuveiros. Teve dias em que tive de comprar comida, porque não tinha. Eu fico triste pela
situação, mas estou tranquilo. Quem é jogador nunca abandona o sonho de jogar futebol, mas estou procurando outro emprego - relata Sidnei.
A
informação é negada por Loss. O gerente reitera que o clube utiliza o dinheiro desembolsado pelos familiares para oferecer plenas condições aos atletas
alojados.
- O clube oferece tratamento médico, odontológico e alojamento, além de quatro refeições diárias a todos. É
providenciado tudo o que é necessário para os atletas - relata.
A Federação Gaúcha de Futebol (FGF) recebeu a
situação vivenciada pelo atleta como novidade. Aguarda uma decisão da Justiça para tomar posição.
- Não temos esse poder
de fiscalizar. A nosso juízo, é uma situação que não deve ocorrer. Não é usual. Se houver alguma irregularidade, é o tribunal que vai
decidir. Enquanto órgão regulador e registral, a gente tem interesse de apurar os fatos. A FGF não tomará qualquer ação, mas vai prestar todas as
informações se for indicado a prestar esclarecimento e informações necessárias - afirmou o vice-presidente da federação Luciano
Hocsman.