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01/04/2020 | 05:42 | Geral

Suspensão de visitas e fábricas de máscaras: como o RS se prepara para retardar o avanço da doença nas prisões

Primeiro caso em detentos foi confirmado no regime semiaberto de Bagé

Primeiro caso em detentos foi confirmado no regime semiaberto de Bagé
Em Lajeado, presas costuram máscaras que serão usadas por servidores da segurança pública - Susepe / Divulgação
Desde que a pandemia provocada pela covid-19 alcançou o país, um novo inimigo provoca tensão dentro e fora das cadeias superlotadas e divididas entre grupos criminosos. O primeiro caso da doença no sistema prisional do Rio Grande do Sul foi confirmado na manhã de terça-feira (31). Para tentar retardar o avanço do coronavírus dentro das casas prisionais, o Estado, que abriga 38,4 mil detentos, une instituições e traça estratégias. 
Suspensão de visitas e de atendimentos, como aulas e oficinas, envio de apenados à detenção domiciliar, controle de temperatura de quem ingressa nas cadeias e desinfecção nas unidades são algumas medidas já adotadas. Mas um pacote de ações, que integra plano de contingência para postergar o impacto da pandemia nas prisões, está sendo gestado e posto em prática aos poucos.
— Priorizar a questão sanitária no sistema prisional é, ao mesmo tempo, garantir que não vamos colapsar a rede pública de saúde. A atenção agora evita também a explosão das cadeias e da própria segurança pública. Queremos tirar algum legado positivo para o sistema prisional dessa crise toda — defende o secretário da Administração Penitenciária, Cesar Faccioli.
Para debater a situação entre as instituições, foi criado por decreto um grupo de monitoramento das ações de prevenção e mitigação dos efeitos da pandemia no sistema prisional. Os encontros têm acontecido de modo virtual e envolvem Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conselhos da Comunidade, Conselho Penitenciário e Conselho Nacional de Justiça. É esse grupo que analisará como colocar o plano de contingência em prática, após passar por recente avaliação do governador Eduardo Leite.
Entre as estratégias que já viabilizadas está a implantação de pequenas fábricas nas cadeias para confecção de máscaras. O plano inclui também a produção de álcool gel. Uma das apostas para poder viabilizar as medidas no RS é buscar parcerias com prefeituras e outras organizações para ações conjuntas. O Judiciário está destinando R$ 300 mil em recursos das penas pecuniárias para aquisição de equipamentos de proteção.
— Em qualquer presídio superlotado, sem ventilação, o risco de contaminação é alto. É um ambiente insalubre, com diversos presos com problemas respiratórios. A probabilidade de o vírus se propagar é maior do que para quem está em liberdade. O sistema está tensionado. Os presos estão sem assistência de familiares. Mas suspender visitas foi necessário. No Presidio Central (maior cadeia do RS), em um dia normal de visitas, são 10 mil pessoas circulando em transporte, indo e vindo de residências. E isso acaba se propagando na comunidade —  descreve o juiz corregedor Alexandre Pacheco.
Outras estratégias, para o caso de expansão da pandemia, estão em debate, como a instalação de hospitais de campanha nas cadeias, para evitar que os casos dentro do sistema prisional lotem as unidades de saúde. O presidente da OAB-RS, Ricardo Breier, entende que as medidas são necessárias:
— O presídio não é um mundo à parte: ele integra o contexto da sociedade. Essas pessoas estão lá sob responsabilidade do Estado. Se está se tomando medidas aqui fora para evitar o aumento do contágio, nada mais coerente do que fazer isso no sistema prisional. Ali existe tudo que a OMS não quer: aglomeração, pessoas em zona de risco e com problemas de saúde.
Até o momento, há um caso confirmado de preso contaminado pelo coronavírus em Bagé, na Campanha —  o detento foi encaminhado para prisão domiciliar com uso de tornozeleira. No Estado, segundo a Seapen, outros 26 presidiários foram colocados em isolamento preventivo por suspeita de infecção pela covid-19. Também foram afastados preventivamente cinco agentes penitenciários que tiveram contato com o apenado. A informação é do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado (Amapergs-Sindicato). Estão em observação quatro agentes que escoltaram o preso até o hospital e o servidor que colocou no detento a tornozeleira eletrônica.
À frente da Amapergs-Sindicato, o presidente Saulo Basso defende a criação de centros de triagem para que os novos presos sejam mantidos em quarentena – a medida está prevista no plano de contingência.
— No geral, as prisões são casas antigas ou prédios adaptados para que fosse uma cadeia. Não há espaço. O que estão fazendo é usar um termômetro para medir a temperatura do preso. Se tem menos de 37 graus, entra. Os colegas têm familiares hipertensos, diabetes, moram com os pais idosos, há pessoas transplantadas — critica.
A entidade, que representa 5,5 mil servidores penitenciários, chegou a obter na justiça a suspensão das sacolas — entregues por familiares para presos, por entender que há risco de contaminação — mas a medida foi derrubada. Faccioli diz que o Estado não consegue suprir todos os itens e afirma que a orientação é seguir normas de higienização. Argumenta também que a secretaria está atenta à situação dos servidores.
 — O ambiente prisional é um dos que oferece maior risco de contaminação e expansão. Todo agente penitenciário ao mesmo tempo é um dublê de agente de saúde e segurança pública. Ele é relevante nessas duas dimensões. Por isso, estamos reforçando as horas extras e investindo nas medidas de prevenção — afirma.
Liberação de presos
Uma das ações mais polêmicas que integram a prevenção à propagação do vírus está o envio de presos para a prisão domiciliar. Segundo levantamento do Ministério Público, no período de pouco mais de uma semana, entre 17 e 25 de março, o número de presos no RS passou de 42,1 mil para 38,6 mil. A redução da massa carcerária aconteceu após o início da pandemia e recomendação do CNJ para adoção de medidas preventivas à propagação do vírus.
 — Se todas autoridades estão recomendando isolamento, de fato eles já estão numa situação de um melhor isolamento dentro dos presídios. Em tese estão isolados —critica o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública, Luciano Vaccaro.
A Corregedoria-Geral da Justiça discorda dos dados apresentados pelo MP. Segundo o Judiciário, no período de 18 de março a 27 de março foram 1.878 concessões de liberdade provisória, revogação de prisão preventiva, prisão domiciliar e medida cautelar diversa da prisão  — 4,47% do total dos 42 mil que estavam encarcerados antes disso. A Seapen afirma que os dados ainda estão sendo analisados.
— Os juízes analisam caso a caso, vão examinando a possibilidade de prisão domiciliar. Não se está concedendo a rodo. Avalia-se a condenação do preso, a periculosidade. Vários fatores para poder avaliar possibilidade ou não de prisão domiciliar. Mesmo proferidas, o número é insuficiente para desfazer a superlotação. Não se tem como esvaziar o sistema prisional. Temos de buscar meio termo  — afirma o juiz corregedor Alexandre Pacheco.
O cientista social e professor de Tecnologia em Segurança Pública e Gestão Pública, Charles Kieling não concorda com a liberação dos presos, mesmo em grupos de risco. Ele defende que sejam mantidos isolados em alas dentro das prisões, assim como os novos detidos, para evitar a propagação do vírus.
 — Não vejo a liberação de presos como boa medida. O mais assertivo seria encontrar formas de isolar essas pessoas dentro do sistema. Mas, claro, isso afetaria a divisão imposta pelas facções criminosas. Quando eles saem, aumenta o risco do lado de fora, não só no crime, mas na contaminação. Muitos vêm de comunidades carentes, com menos potencial de se defender, e, quando soltos, eles voltam para lá. E sem controle algum, podendo disseminar o vírus. Lá na frente, esses apenados vão voltar para o sistema e, quando isso acontecer, podem ser novo vetor de contaminação em massa lá dentro — avalia.
Dirigente do Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública, Alexandre Rodrigues Brandão também defende a medida como forma de reduzir a superlotação e retirar das cadeias os grupos de risco de contaminação. Entende que a situação coloca em perigo não apenas os presos, mas os servidores e outros trabalhadores que atuam nas prisões. Cita a iniciativa tomada pelo Irã, que decidiu pela soltura de cerca de 80 mil presos.
 — A superlotação já produz crime. E hoje se agrava diante dessa epidemia. Os presídios gaúchos vivem situação de caos sanitário. Dizer que as pessoas que estão dentro do sistema estão protegidas, isoladas, é uma falácia. Quem conhece, sabe que é um local de disseminação de pragas e de outras doenças infecciosas. Não são todas as pessoas que podem ser soltas. Não é isso que queremos. Pedimos para esse grupo é a prisão domiciliar, de preferência com monitoramento eletrônico. Acho que esse é o caminho. Ou o sistema prisional pode virar uma bomba e explodir na mão da sociedade  — diz o defensor.
Ações
Limpeza e controle
O ambiente prisional é historicamente um local de caos sanitário. Diante da pandemia, as 152 unidades prisionais do RS estão buscando melhorar as condições. Um gabinete de gestão e logística, realiza pesquisa de mercado para aquisição e distribuição de álcool gel, luvas, máscaras, desinfetantes, termômetros e outros itens, além de monitorar os locais que mais necessitam dos insumos. Equipamentos têm sido adquiridos, como termômetros, para a aferição de temperatura de presos e de agentes, além do preenchimento de um formulário de saúde.
Fábricas
Estão sendo estruturadas fábricas de produção de máscaras em 12 casas prisionais. Em Lajeado, no Vale do Taquari, seis detentas que integram projeto profissionalizante começaram a produção na semana passada. Em Torres, no Litoral Norte, também há seis presas trabalhando na iniciativa. A Seapen espera dar início à produção de álcool gel.
— Queremos fazer com que essas fábricas permaneçam funcionando após isso tudo. Isso nos permitiria inclusive aumentar o nível de prevenção em relação a outras doenças e manter postos de trabalho. Nesse primeiro momento, queremos atender todo o sistema. Se o projeto der certo, disponibilizar para agentes de saúde — projeta Faccioli.
Vacinas e leitos
O plano busca articulação junto à Secretaria da Saúde do Estado para que servidores do sistema penitenciário e pessoas presas tenham prioridade na aquisição de testes da doença e na vacinação contra a gripe. Ainda na área da saúde, estuda-se ampliar o convênio entre Estado e Hospital Vila Nova para ter mais leitos para o sistema prisional.
Centros de triagem e hospital de campanha
O plano propõe, entre outras ações, a criação de centros de triagem nas principais regiões do Estado para os presos que vão ingressar no sistema e oito hospitais de campanha em prisões  estratégicas, sendo um deles junto à Penitenciária Modulada de Charqueadas. Esses hospitais atenderiam quem desenvolvesse sintomas na cadeia. Além disso, prevê a estruturação de Unidades Básicas de Saúde (UBS) dentro do sistema. A medida busca evitar maiores impactos no sistema público de saúde.
Caça vírus
Estão sendo criadas patrulhas de desinfecção, orientação e controle para viajar o Estado visitando casas prisionais. A Defensoria Pública está cedendo veículos para serem empregados na ação.
A desinfecção está sendo realizada pelos próprios presos nas áreas administrativas e nas salas de convivência. A ideia é que as patrulhas também repassem orientações. Em Rio Grande, no sul do RS, a limpeza conta com o apoio da prefeitura que cede servidores para que a desinfecção seja realizada rotineiramente.
Televisita
Impedir a visita de familiares nas cadeias, é um motivo de tensão no sistema. Por isso, estão sob estudo projetos para usar a tecnologia e permitir o contato entre presos e parentes.
— Num momento de absoluta restrição, e de tensão, o preso não sabe o que está acontecendo lá fora com a família. Queremos de alguma forma, com criatividade, criar caminhos e pontes e para que o vínculo com as famílias não seja rompido. Temos duas grandes missões: de um lado garantir a disciplina e o cumprimento das sentenças. E de outro, manter a humanização do sistema para que os presos não saiam piores do que entraram — reconhece Faccioli.
Fonte: Gaúcha ZH
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