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01/07/2024 | 05:31 | Geral

''Acho uma injustiça com minha biografia. Vou descansar, refletir, ver o que aconteceu'', diz desembargador

Durante sessão virtual do TRT4, presidente da 8ª Turma, desembargador Luiz Alberto Vargas, negou pedidos da advogada Marianne Bernardi para fazer sustentação oral com prioridade. Ela está grávida de oito meses e disse não estar passando bem no momento da sessão, mas teve que esperar por quase sete horas para falar no processo

desembargador Luiz Alberto Vargas, presidente da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), negou pedidos de uma advogada grávida de oito meses para fazer sustentação oral com prioridade em sessão virtual de julgamento, na última quinta-feira (27). A advogada Marianne Bernardi disse não estar passando bem no momento e recebeu apoio de outros advogados, do representante do Ministério Público do Trabalho e de desembargadores. 

Ainda assim, o desembargador negou a prioridade, alegando que a medida não se aplicava para sessões virtuais. Segundo ele, por questões técnicas, não é possível atender a todas as preferências legais em sessões virtuais. Vargas também disse não saber se a advogada estava mesmo grávida. 

Neste momento da sessão, Marianne se levantou e expôs a barriga de oito meses diante da câmera. Ela teve que esperar por quase sete horas para falar no processo

O caso repercutiu nas redes sociais a partir de manifestação de Marianne, que divulgou trechos da gravação da sessão. A Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS) vai inserir o nome de Vargas no Cadastro Nacional de Violadores de Prerrogativas, uma lista composta de nomes de agentes públicos que desrespeitarem as prerrogativas de advogados e advogadas. Estar inscrito na lista impede que a pessoa considerada violadora, depois de aposentada, exerça a advocacia por cinco anos.

O desembargador falou com Zero Hora na tarde deste domingo (30). Confira a entrevista:

A OAB/RS disse que vai inscrevê-lo no Cadastro Nacional de Violadores de Prerrogativas da advocacia por causa de sua decisão de negar direito à preferência de fala a uma advogada gestante. Como o senhor avalia? 

Acho que a OAB tem direito de fazer tudo que ela acha que tem que fazer em defesa dos associados e da categoria. Tem direito, assim como todo mundo tem, de criticar decisões judiciais. Decisões são criticáveis e o Judiciário tem que aceitar a crítica porque é assim que se faz o diálogo. Todos somos intérpretes da lei e é assim que se faz o diálogo para compreender melhor nosso ordenamento jurídico. Mas se me colocarem no Cadastro de Violadores de Prerrogativas de advogados cometem uma grande injustiça, pois sou um histórico defensor das prerrogativas. Não preciso dizer, quem me conhece sabe, minha história fala por mim. E no caso concreto não violei prerrogativa de ninguém.

O que aconteceu na sessão?

O que fiz foi defender posição que não é minha, é da 8ª Turma, que é desde o início da pandemia. Por questões técnicas, a gente não consegue atender os advogados dando todas as preferências legais, que não é só da gestante, mas da lactante, dos  idosos, dos portadores de deficiência, não conseguimos dar a atenção devida a todos eles e, por isso, nas audiências puramente telepresenciais, nós não damos (as preferências). O que são essas audiências? São aquelas em que o juiz não está na sessão no tribunal - e nesse momento não estamos por causa do alagamento, a gente está em casa. A gente não tem secretário, não tem informática, nada, a gente trabalha com a cara no computador, um papel e caneta. Nessa sessão que estávamos, com 150 processos, duas sustentações orais em cada um, começamos às 9h e terminamos às 20h, não tem condição de gerenciar isso. 

Não era possível gerenciar nem sendo um caso específico, o pedido de apenas uma advogada que dizia não passar bem?

É uma posição da Turma, desde a pandemia, que nas sessões que estou em casa eu não consigo fazer isso.

Nem sendo um único pedido, pontual?

A gente exige que o advogado entre com o requerimento antes da sessão, dizendo que quer usar direito à preferência. A advogada esperou começar a audiência, pediu a palavra. Requerimento atrasado, devia ter feito antes, este é nosso procedimento. Mantive o procedimento de muitos anos. 

O senhor diz que não violou direitos, prerrogativas. Mas duas leis têm esse direito previsto.

A lei eu conheço, respeito e acato estritamente dentro da minha interpretação.

As leis não estão acima do entendimento da 8ª Turma?

O entendimento é que se cumpra rigorosa e estritamente a lei. E a gente acha que cumpre a lei.

Afastando o cenário jurídico, de leis, regras e normas, uma das manifestações em favor da advogada na sessão foi para que o senhor agisse por humanidade. O senhor não pensou em aceitar o pedido?

Se eu tivesse um tempinho mais para pensar, talvez eu mudasse (a decisão de negar o pedido).

Mas foram feitos pedidos em vários momentos. O senhor não pensou durante a sessão?

Eu já tinha tomado uma decisão. Naquele momento eu achei que se voltasse atrás eu abriria precedente que depois viriam os idosos de 60 anos. Pensei naquela sessão e nas seguintes, não sei quanto tempo vamos ficar em sessão telepresencial. Pensei, tinha dezenas de pessoas, se nessa e nas próximas sessões a gente criasse vários incidentes, talvez eu perdesse o controle da sessão. Mas se tivesse mais tempo para pensar, eu diria, "não, o risco não é tão grande". Mas ali no momento eu tomei a decisão de manter. Não esperava que tomasse uma repercussão tão grande. Eu estava indeferindo e vinha de novo, indeferindo e vinha de novo. E quando eu vi, estava nas redes sociais.

O assunto já estava nas redes sociais durante a sessão?

Sim, recebi pelo WhatsApp uma mensagem me avisando que eu estava nas redes sociais. Estranhamente não diziam quem eu era, o que fazia, não contextualizavam. Me apontavam como misógino, que nunca fui. Sou notoriamente um defensor de Direitos Humanos, sou conhecido por isso.

Assistindo a gravação e pensando agora, o senhor agiria diferente?

Se eu tivesse um tempinho para pensar, eu mudava o entendimento na sessão. O que não posso fazer é mudar entendimento para um caso e depois deixar de aplicar em outro. Uma vez que tivesse mudado, aquele novo entendimento se incorporava à nova regra. Por isso, tenho dificuldade de mudar.

Não seria nova regra, seria novo entendimento da Turma, pois as leis já têm previsão do direito à preferência para a gestante, os idosos.

Seria novo entendimento da Turma em relação a uma regra que nós entendemos que cumprimos. Mas seria incorporado um novo entendimento.

Seria um entendimento na linha do que as leis já estão prevendo. O senhor não vê como razoável?

Não só é razoável, é necessário. A nossa vida como juiz é tentar sempre aperfeiçoar nosso entendimento e dar maior efetividade à norma. Nossa linha é evoluir. Se tivesse mais tempo, talvez eu chegasse a essa conclusão no meio da sessão, mas eu teria que parar a sessão, pensar, ver as consequências. Se tivesse uma máquina do tempo, mas não tem. Está feito.

O senhor pediu afastamento a partir de licença médica.

Estou chateado, acho uma injustiça para mim, com minha biografia, meu passado, minha história. É uma grande injustiça. Falei com o médico e ele sugeriu afastamento. Vou descansar, refletir, ver o que aconteceu.

O senhor acredita que deve desculpas à advogada?

Eu acho que não errei juridicamente. Acho que errei politicamente. Desculpas de um juiz é retratação, tem que ser jurídica. Outra coisa é relação pessoal, se eu me encontrar com a advogada em um café, quero falar, conversar e explicar o que aconteceu. Mas como juiz eu acho melhor que a instituição tome uma atitude, se for o caso de achar que erramos.

Fonte: GZH
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