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07/08/2024 | 12:35 | Geral

Setor produtivo do RS recebeu menos de 30% do crédito emergencial anunciado após enchente

Rigor excessivo nos critérios para obtenção de linhas de financiamento e falta de flexibilização são apontados por entidades como fatores que prejudicam o acesso a empresários que precisam desse socorro com agilidade

Cem dias após o início do aguaceiro que devastou cidades e varreu negócios no Rio Grande do Sul, a ajuda financeira ao setor produtivo chega em ritmo distante do necessário para a retomada do Estado. Apenas 26,38% do crédito anunciado para empresas foi pago, segundo dados do Painel da Reconstrução, do Grupo RBS.

A partir desta quarta-feira (7), Zero Hora publica uma série de reportagens que mostra como está a reconstrução do Estado em oito áreas essenciais.

Rigor excessivo nos critérios para acesso a linhas de financiamento e falta de flexibilização são apontados como os principais fatores que afastam a ajuda dos empresários que precisam desse socorro com agilidade. Ajustes pontuais destravam alguns pontos do repasse, mas longe de dar a vazão necessária aos recursos.

Desde o início da enchente, foram anunciados R$ 58,887 bilhões em linhas de crédito para auxiliar empresas afetadas pela inundação no Estado. Desse total, apenas R$ 15,533 bilhões foram pagos, conforme dados do painel, ferramenta abastecida pelos portais de transparência estadual e federal.

O dado leva em conta linhas de crédito e os recursos novos usados para cobrir os principais auxílios anunciados.

O levantamento aponta que os maiores valores estão no âmbito da União. Mesmo que esteja com a classificação "paga", não significa necessariamente que o dinheiro já chegou às empresas — parte dos dados do portal da transparência mostra apenas o que foi transferido para os bancos que operam as linhas de crédito.

Dois dos principais aportes destinados ao Estado simbolizam o ritmo lento na transferência do dinheiro para a operação das empresas. No BNDES Emergencial53% dos R$ 15 bilhões foram transferidos a instituições bancárias dois meses após o anúncio do programa — esse percentual mostra o que foi repassado para os bancos, sem detalhamento do que foi contratado.

O vice-presidente de micro e pequenas empresas da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), Douglas Ciechowicz, afirma que uma das principais barreiras no acesso ao crédito está nos critérios de garantias. Como muitos empreendimentos tiveram as principais garantias arrastadas pela força da água, ficam de fora do benefício, segundo o dirigente:

— A gente tem visto empresas que perderam tudo e tinham o imóvel como garantia. Aquele prédio, que estava avaliado em R$ 2 milhões, R$ 1 milhão, não está valendo mais nada. Então, essa garantia se foi. Então, ela precisa de um fundo garantidor que vai proteger o banco e também a empresa na questão dos não pagamentos.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Claudio Bier, também toca no ponto das garantias. Na avaliação dele, o governo e os bancos precisam flexibilizar as exigências na hora de conceder o crédito às empresas afetadas. Segundo o dirigente, o evento extraordinário que atingiu o Estado provoca a necessidade de medidas excepcionais de auxílio.

— Até agora, nós não tivemos essa resposta positiva. Tem saído esse crédito, muito a conta gotas, e para empresas que têm um cadastro muito, muito saudável e que realmente podem tomar crédito em qualquer hora, em qualquer momento. E a finalidade nossa era pedir para as empresas que realmente estão necessitando.

Já no Pronampe Solidárioapenas 9,21% do total anunciado pelo governo federal chegou aos cofres dos empreendimentos afetados. Esse percentual leva em conta o que foi contratado.

O presidente da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS), Luiz Carlos Bohn, afirma que a burocracia para ter acesso às linhas de crédito segue sendo um dos principais problemas. O tempo de espera para o pagamento após a contratação também trava a recuperação das empresas, segundo o dirigente. Além disso, Bohn destaca o excesso de garantias e exigências fiscais para se enquadrar nos programas, que travam o processo para pequenas empresas:

— É tudo muito difícil. Mas para os pequenos é pior. Porque eles continuam exigindo CND (certidão de regularidade fiscal). Muitos atrasaram o recolhimento de impostos porque não conseguiram pagar.

"A regularidade fiscal devia ser, nesse momento, esquecida. Tem que liberar um pouco essa questão burocrática de regularidade fiscal."

LUIZ CARLOS BOHN

presidente da Fecomércio RS

No agro, o principal pedido ocorre no âmbito da repactuação das dívidas rurais. Na semana passada, o governo federal publicou medida provisória (MP) que oferece desconto para liquidação ou renegociação de parcelas de operações de crédito rural.

O economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, afirma que o setor pede algumas alterações na medida, como a inclusão de danos causados pela estiagem, créditos livres e mudanças no limite orçamentário. Caso isso não ocorra, diz o economista, vai comprometer o setor, travando recuperação e acesso a recursos novos:

"Muita gente vai acabar desistindo da atividade"

ANTÔNIO DA LUZ

economista-chefe da Farsul

O governo do Estado também promoveu linhas de crédito emergenciais para empresários afetados pela inundação, mas em valores menores, como o Pronampe Gaúcho e a linha especial no Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (veja no gráfico). No entanto, a crítica dos empresários ocorre com mais força no âmbito do auxílio federal. Segundo eles, o Planalto tem mais capacidade de autorizar repasses maiores.

Atingida pelas enchentes de setembro e novembro de 2023 e a de maio passado, a empresa de produtos de higiene e limpeza de Ricardo Fontana, do município de Encantado, estima os prejuízos em R$ 34 milhões. O empresário afirma ter pedido recursos desde a primeira cheia, mas que só teve acesso a linhas de crédito normais do mercado.

— Os recursos a que a gente teve acesso foram normais, de linhas normais dos bancos. Com uma diferença: nas primeiras linhas havia o fundo garantidor do governo federal, que garantia as operações; nas operações de maio já não têm esse fundo garantidor. E o risco desse crédito é todo dos bancos.

— A gente está sentindo maior dificuldade nessa cheia de maio por não ter o fundo garantidor e por termos sido atingidos outras vezes. Aqui na nossa empresa, a gente tem maior dificuldade do que as que foram atingidas uma vez só, visto que nós estamos muito mais debilitados financeiramente — conclui Fontana.

Questionado por Zero Hora, o ministro da Reconstrução, Paulo Pimenta, afirma que o governo federal tomou a decisão de desnegativar as empresas afetadas, mas o Congresso incluiu na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um artigo que proíbe a medida. Ainda conforme o ministro, uma nova tentativa para permitir a desnegativação foi enviada ao Legislativo.

Já sobre as reclamações de que empresas que foram menos atingidas e, consequentemente, tinham mais possibilidades de oferecer garantias estavam sendo favorecidas na hora da contratação do crédito, Pimenta ressalta que "o governo não faz análise de crédito", apenas "repassa o recurso". 

— Quem opera isso é o Banrisul, o Banco do Brasil, a Caixa Federal, as cooperativas de crédito. Nós repassamos o recurso com 1% ao ano. Agora, análise de crédito, nós temos 30 mil empresas que já contrataram ou Pronampe Solidário ou recurso do BNDES — diz o ministro.

Consequências ao Estado

Nos últimos meses, o Estado amargou números negativos na economia e no mercado de trabalho. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged) apontam que o Estado fechou 30.559 vagas de emprego com carteira assinada no acumulado de maio e junho.

Líderes empresariais afirmam que o Estado precisa de mudanças pontuais em regras trabalhistas e acesso ao crédito mais facilitado para maior tração na retomada.

O presidente da Fiergs considera que perda de competitividade é um dos principais problemas que podem ser registrados no Estado caso a ajuda, principalmente federal, não chegue de forma mais robusta e célere:

— Um dos riscos é a perda da nossa mão de obra qualificada para outros Estados, diminuição de impostos, de faturamento nas empresas, e consequentemente de impostos para o governo, e desemprego.

O vice-presidente de micro e pequenas empresas da Federasul também reforça a importância de manter empresas e empregos no Estado para fortalecimento da economia:

— A gente precisa que as empresas continuem de pé, que os empregos permaneçam aqui no Rio Grande do Sul e também as empresas, para que toda a tributação que é gerada e esses negócios permaneçam mantendo o Estado forte como ele deve ser.

Já o presidente da Fecomércio destaca que o Estado vai se recuperar em ritmo lento nesse eventual cenário sem flexibilização:

— Nós vamos nos recuperar, mas quanto menos a gente for socorrido, o impacto no PIB brasileiro, inclusive, vai ser maior. O Rio Grande do Sul é um Estado que tem peso de  6,5% a 7% no PIB brasileiro.

* Colaborou Gabriel Costa, da RBS TV

Fonte: GZH
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