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16/05/2023 | 05:32 | Geral

Preservação de abelhas sem ferrão une universidades, produtores e alunos nas Missões

Projeto estuda a presença do inseto na região, estimula a criação e atua em sala de aula

Projeto estuda a presença do inseto na região, estimula a criação e atua em sala de aula
Há 24 espécies de abelhas sem ferrão no RS; na foto, mirim guaçu com a rainha em destaque no centro - Projeto Abelhas Missioneiras / Divulgação

É atribuída ao físico alemão Albert Einstein a seguinte frase:

— Se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais, não haverá raça humana.

A sentença do cientista pode parecer exagerada, mas é defendida por quem estuda o inseto. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), as abelhas são responsáveis por pelo menos 70% da polinização das culturas que servem à alimentação humana.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) diz que “as abelhas são os polinizadores mais importantes que temos”. A relevância, porém, não tem sido traduzida em preservação: urbanização e uso de defensivos agrícolas no campo são alguns dos fatores que explicam a menor presença do inseto no território nacional, dizem especialistas.

A falta de informações sobre o assunto é outro empecilho para mapear as abelhas, porque, segundo a Embrapa, não existem dados oficiais sobre essa população no Brasil. Por isso, a fonte mais confiável é a percepção de criadores e pesquisadores.

— Há quantidade cada vez menor de abelhas e de outros polinizadores nas zonas rurais. Acreditamos que isso ocorre por causa do uso excessivo de agrotóxicos na agricultura convencional, pelo desmatamento, queimadas e aquecimento global. Há uma lacuna de dados: foi pouca a quantidade de conhecimento acumulado ao longo dos últimos anos — diz Rafael Meirelles, pesquisador do tema e professor do curso de Agronomia da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) de São Luiz Gonzaga, nas Missões.

Meirelles concorda com Einstein:

— Sem abelhas, há um déficit gigante na reprodução vegetal, o que gera uma queda brusca na produção de sementes, sejam elas em ambientes naturais ou em ambientes cultivados. Então, ficar sem abelhas significa ficar sem alimentos.

O professor é coordenador do Abelhas Missioneiras, um projeto que incentiva a criação do inseto e avalia a situação das abelhas sociais (que formam colônia) no Estado. Além da Uergs, fazem parte da iniciativa a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Emater/RS e Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi). 

No início, em 2019, o projeto foi financiado pela Enel, multinacional italiana que atua no ramo de geração e distribuição de eletricidade e gás; agora, é acompanhado pela Transmissora Aliança de Energia Elétrica (Taesa), grupo brasileiro que trabalha na transmissão de energia elétrica.

O trabalho é dividido em sete subprojetos: levantamento da flora apícola, identificação de espécies de abelhas presentes na região das Missões, identificação dos substratos de nidificação, popularização da meliponicultura (criação de abelhas sem ferrão) com cursos e acompanhamento de produtores, publicações de livros e material informativo, construção de meliponários (onde são instaladas as colmeias) e atividades de educação ambiental.

O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.

Os pesquisadores gaúchos trabalham com abelhas sem ferrão, que pertencem à família Apidae, tribo Meliponini, também chamadas de meliponíneos. O nome engana: elas possuem ferrão, mas é atrofiado e não tem função de defesa, diferente da Apis mellifera (com ferrão).

Segundo a Embrapa, são 52 gêneros e mais de 300 espécies identificadas com distribuição registrada na América do Sul, América Central, Ásia, Ilhas do Pacífico, Austrália, Nova Guiné e África. No continente americano, elas são mais comuns em florestas tropicais (mais de 60%), e diminuem a presença em direção ao sul do Brasil e ao centro norte do México. No Rio Grande do Sul são 24 espécies, conforme a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema).

— Elas estão aqui (no Estado) desde antes da chegada dos portugueses. São conhecidas como abelhas indígenas porque os índios também já criavam essas abelhas. Durante muito tempo, elas ficaram praticamente esquecidas. Nos últimos anos, a meliponicultura tornou-se novamente popular. Nós começamos a estudá-la porque há uma demanda da sociedade e também pela conservação dessas espécies, que estão em risco — acrescenta o professor da Uergs.

A obtenção de enxames deve ser feita com utilização de ninhos-isca, aquisição de meliponários autorizados ou outros métodos não destrutivos, conforme estabelecido na resolução 496 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Por isso, para obter colônias, o interessado deve adquiri-las de um produtor autorizado ou espalhar ninhos-isca em locais estratégicos para captura.

— A abelha sem ferrão é dócil e não vai infligir acidentes, ferroadas. Ela tem uma produção menor, mas que consegue, muitas vezes, suprir a necessidade de uma família ou servir para presentear pessoas com um mel de excelentíssima qualidade. Existem vários relatos dos criadores de abelhas sem ferrão que têm aumento da produtividade dos cultivos de suas propriedades — afirma Joney Braun, agrônomo, extensionista rural da Emater e meliponicultor.

Conforme a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação, em 2021, o Rio Grande do Sul ultrapassou o Paraná como maior Estado produtor de mel no Brasil, com 9,2 mil toneladas. Não é contabilizado o quanto do montante tem origem em abelhas sem ferrão.

Mel diferente
O mel de abelhas sem ferrão tem uma composição físico-química diferente se comparado ao mel de abelha com ferrão. Isso dá características de sabor, cor e odor distintos e que mudam conforme a espécie de abelha criada e a florada da região. A produção depende do tipo do inseto: não há um "padrão" encontrado no produto alimentício produzido pelas abelhas com ferrão.

— É um mel muito característico, com uma diversidade grande de cores, densidades, sabores, acidez e umidade. Pode ser utilizado na culinária em pratos doces e salgados. Temos outros produtos que podem ser trabalhados, como o extrato de própolis, que tem várias propriedades medicinais — diz Braun.

O produto também é procurado para fins terapêuticos, pelas características medicinais a ele atribuídas. Conforme a Embrapa, no Brasil, os meliponíneos produzem entre um e 10 quilos de mel ao ano, resultado que depende da espécie e da região. É, assim, inferior na comparação a uma colônia de abelhas com ferrão, que produz, em média, 15 quilos de mel por ano no país.

— O mel da abelha jataí (sem ferrão) varia de R$ 80 a R$ 180 o quilo. Já o mel da abelha com ferrão varia de R$ 15 a R$ 25 o quilo. É uma discrepância grande quanto a valores. Há também a questão dos enxames, que podem ser comercializados, desde que devidamente legalizados — diz o agrônomo da Emater quando questionado sobre as vantagens financeiras do negócio para os produtores.

Há, entretanto, os que não querem dinheiro, mel e tampouco ajudar na polinização: são os que veem a criação de abelhas sem ferrão como um hobby. O fato de serem dóceis, de fácil manejo e com custo considerado baixo atrai quem mora até mesmo em áreas urbanas.

— Hoje esse é um grande comércio que movimenta os meliponicultor, que chamamos de criadores hobbystas. Eles querem ter abelhas em casa, ver a movimentação delas já é uma satisfação — afirma o agrônomo.

Preservar abelhas desde cedo
O projeto já mapeou mais de 80 plantas de interesse para as abelhas da região das Missões. Em São Luiz Gonzaga, foram estudados mais de 70 ninhos na zona urbana; pontos dos municípios de Bossoroca, São Pedro do Butiá e Santo Antônio das Missões também são analisados pelo grupo.

A iniciativa prevê a publicação de três livros: um sobre meliponicultura para iniciantes, um guia para identificação de abelhas no Estado e outro com um catálogo de plantas de interesse dos insetos. O trabalho também organiza cursos de formação de meliponicultores na região.

O Abelhas Missioneiras não busca apenas mapear a situação do inseto na região e incentivar a produção. É também um trabalho que engloba outras áreas, em parceria com outros dois cursos da Uergs de São Luiz Gonzaga, de Segurança Alimentar e Agroecologia e licenciatura em Pedagogia.

— O projeto ensina como se produz, como se faz a transformação desse produto em alimentos e trata a pedagogia, que é como trabalhamos a educação, o ensino formal das crianças — explica Arisa Araújo da Luz, coordenadora do curso de Pedagogia da universidade estadual.

Os pequenos têm um espaço em um dos prédios da Uergs em São Luiz Gonzaga: ali, brinquedos, livros e atividades fazem referência às abelhas. Atividades são feitas em escolas de Ensino Fundamental e Ensino Médio do município e região. Antes da pandemia de covid-19, os integrantes visitaram seis escolas.

As visitações retornaram em 2022 a quatro colégios de São Luiz Gonzaga, e dois de Santo Antônio das Missões e Bossoroca. Os participantes tratam de temas sobre polinizadores em geral, frutos e flores. Nas conversas, a abelha é um instrumento para tratar de um tema mais amplo: a proteção ambiental.

— Esse é um trabalho para que a criança seja conscientizada da importância do cuidado, de preservar e para que se refaça a cultura em relação às abelhas. Temos uma ideia de que elas vão machucar, causar algum dano. Essa cultura não vai mais existir se trabalharmos com as crianças a ideia do quanto a abelha é importante para o ciclo da vida — adenda Arisa.

Fonte: GZH
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